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Como gastar R$ 54 mil em 9 dias com a mesma empresa sem explicar nada? Pergunte à Prefeitura de São Rafael

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  • – Quem é Helena Cristina? A empresária que virou fornecedora oficial da Prefeitura de São Rafael;
  • -A dona da empresa é uma. O endereço é de outra. E quem atende o telefone é um terceiro.

Em um intervalo de apenas nove dias, a Prefeitura de São Rafael, município do interior potiguar com menos de 08 mil habitantes, firmou contratos com dispensa de licitação que, no mínimo, despertam a curiosidade — e, segundo vereadores da oposição, merecem investigação rigorosa por órgãos de controle.

O que une todos os contratos é um único nome: Helena Cristina da Silva Souza. Ela é a titular da empresa individual que, entre os dias 13 e 22 de maio de 2025, foi contratada pelo poder público municipal para fornecer refeições prontas, serviços de hospedagem, locação de som automotivo para divulgação de vinhetas institucionais e cobertura de eventos de pequeno porte. Somando-se os valores dos três contratos, o montante pago à empresa chega a R$ 48 mil — todos com base no artigo 75, inciso II da nova Lei de Licitações (Lei nº 14.133/2021), que permite contratações sem licitação em casos de baixo valor.

A quarta e última contratação, desta vez publicada no CPF que sugere ser da própria Helena Cristina e não no CNPJ da empresa, adiciona mais R$ 6 mil à conta: um aditivo de contrato para locação de imóvel, datado de 23 de maio. Com isso, o total repassado à pessoa jurídica e à pessoa física ultrapassa R$ 54 mil em menos de duas semanas.

A aparente legalidade, no entanto, esbarra em uma série de fatores que lançam sombras sobre os processos: ausência de justificativas técnicas detalhadas, diversidade incomum de serviços prestados pela mesma empresa, supostos vínculos entre a contratada e empresários ligados à pousada local, e até indícios de atividade comercial informal com recursos públicos.

O endereço e o telefone que conectam a empresa à Pousada São Rafael

A empresa contratada está registrada na Receita Federal no endereço Avenida José Bezerra de Araújo, 585 — o mesmo da Pousada São Rafael, tradicional hospedagem no centro da cidade, cujo comando e registros tributários, pertence ao casal Gilana Reginaldo Pinheiro e Emerson Soares de Souza. Ainda que formalmente não constem como sócios da empresa de Helena Cristina, o número de telefone celular registrado junto à Receita — (84) 8884-3001 — pertence a Emerson Soares e está vinculado ao seu WhatsApp pessoal.

Essas conexões reforçam uma suspeita levantada nos bastidores da política da pacata São Rafael: a de que a empresa em nome de Helena Cristina da Silva Souza pode estar sendo usada como fachada para a atuação indireta de terceiros, que estariam operando os contratos com a Prefeitura por meio de vínculos informais.

Não bastasse o endereço e o telefone ligados à pousada, a própria natureza dos contratos chama atenção. Em 13 de maio, Helena Cristina foi contratada para fornecer refeições prontas. No dia seguinte, 14, já prestava serviços de hospedagem. O salto mais questionado viria oito dias depois, em 22 de maio, quando foi publicado um contrato no valor de R$ 22.800,00 para locação de som automotivo, supostamente destinado à divulgação de ações da Prefeitura e cobertura de eventos públicos.

É neste ponto que a narrativa administrativa parece desmoronar. A empresa, segundo dados oficiais da Receita Federal, não possui nenhuma atividade registrada relacionada à prestação de serviços de som, locução ou propaganda. Ainda assim, foi a vencedora — por dispensa de licitação — de um contrato cuja execução exigiria equipamentos específicos, pessoal técnico e estrutura logística. Nenhuma dessas condições foi apresentada publicamente. Tampouco há registros de prestação de contas, relatório de execução ou publicações oficiais demonstrando o serviço entregue.

No dia seguinte à contratação do som, em 23 de maio, a Prefeitura publicou mais um contrato envolvendo Helena Cristina — desta vez não pela empresa, mas pela pessoa física. Foi um termo aditivo ao Contrato nº 47/2023, no valor de R$ 6.000,00, para locação de imóvel. O contrato aparece assinado por Francisco Canindé Pinheiro dos Santos, conhecido populamente por Canindé da Farmácia, o prefeito de São Rafael, e reforça o ciclo de relações questionadas por vereadores da oposição em sessão realizada dias antes.

Um histórico de contratos obscuros e pouca transparência

Não é a primeira vez que a administração municipal de São Rafael — sob gestão de Canindé da Farmácia — se vê às voltas com contratos apontados como suspeitos. Ainda no início do ano, duas contratações simultâneas para aquisição de pneus, com o mesmo objeto e finalidade, já haviam sido criticadas por possível fracionamento de despesas — prática vedada por lei.

Outro caso que ganhou repercussão envolveu a aquisição de canecas personalizadas para o Dia das Mães, no valor superior a R$ 20 mil. O evento foi cancelado por alegada “falta de recursos”, mas o contrato já havia sido publicado no Diário Oficial. Até hoje, não há informação pública sobre se o município chegou a pagar à empresa contratada ou se o processo foi cancelado oficialmente.

Há ainda a polêmica sobre a distribuição de cadernos escolares. Em 2024, a Prefeitura firmou contrato com a empresa L. C. dos Santos Comercial, que teria enviado, por engano, materiais com o nome de outro município: João Câmara. Mesmo com a promessa de substituição dos cadernos, a Prefeitura só iniciou a entrega no segundo semestre, e muitos alunos da rede municipal acabaram usando materiais escolares identificados como se fossem de outra cidade.

O silêncio da Prefeitura e a expectativa de investigação

Vereadores da oposição já indicaram que devem procurar o Ministério Público Estadual para que as contratações com a empresa de Helena Cristina sejam investigadas por possíveis irregularidades administrativas, favorecimento de terceiros e burla ao processo licitatório.

O caso expõe, mais uma vez, os riscos de uso indevido da dispensa de licitação, que embora prevista em lei, exige critérios objetivos, motivação clara e ampla transparência — elementos que, no caso de São Rafael, parecem ter sido solenemente ignorados.

Seja por improviso, negligência ou algo mais grave, a sucessão de contratos com a mesma empresa, com objetos diferentes e sem comprovação da efetiva prestação dos serviços, acende um alerta importante sobre o uso do dinheiro público. Em cidades pequenas, onde tudo parece mais simples, os escândalos, muitas vezes, passam despercebidos — até que o rombo apareça nas contas.

Enquanto o prefeito Francisco Canindé Pinheiro dos Santos recorre às redes sociais para afirmar que a Prefeitura enfrenta dificuldades financeiras — e justifica o cancelamento da tradicional festa do Dia das Mães como medida de contenção de gastos —, os dados oficiais revelam outra realidade. Dias antes do anúncio do cancelamento, o município já havia contratado uma empresa para fornecer canecas personalizadas para o evento, num contrato que ultrapassa os R$ 20 mil. O processo foi publicado no Diário Oficial, mas até agora, nenhuma explicação foi dada sobre o paradeiro dos recursos empenhados, tampouco se houve pagamento ou cancelamento do contrato. O que se vê é um cenário contraditório: ao mesmo tempo em que a Prefeitura alega crise, continua celebrando contratos emergenciais, sem licitação e com uma mesma empresa para diferentes finalidades, operando dentro de um sistema que se parece menos com gestão pública e mais com barganha institucionalizada de dinheiro público. A pergunta que ecoa nas ruas e nos corredores da Câmara é direta e incômoda: quem realmente está se beneficiando dessa crise?

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